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Afinal, bem vistas as coisas, o Homem é um acidente da Evolução. Se formos até aos 100 milhões de espermatozóides de cada ejaculação dos nossos avós e ao milhão de óvulos que cada uma das nossas avós terá produzido nas suas vidas, e fazendo um cálculo semelhante para os nossos pais, a probabilidade das mesmas duas minúsculas células de que resultámos se virem a encontrar terá sido de 1 para 10 seguido de 23 zeros. O que nos dá a deliciosa sensação de sermos uma completa improbabilidade, uma coincidência ou, se preferirem, um produto - incalculável! - do acaso.
Um nível de insignificância tão exuberante teria merecido - de muitos daqueles que combatem o acaso com muitos números - a desistência diante de quaisquer veleidades da criação humana. Mas tanto acaso confere a cada um de nós, desde o princípio, o privilégio - mais ou menos divino - de existirmos ao "arrepio" de todas as probabilidades. E tantos parâmetros que previam que jamais viríamos a existir - diante de milhares de milhões de hipóteses de um outro incauto espermatozóide vir a produzir alguém melhor do que nós - remete-nos para o mistério de existirmos porque alguém - Deus, por exemplo - terá dado uma ajudinha. Por outras palavras, estando abrangidos por aquela fatalidade que prevê que "nada se cria, nada se perde, tudo se transforma", o acaso arranjou-nos este imenso trabalho de sermos levados a imaginar que, apesar de abrangidos pelas leis da Natureza, a Vida seja mais do que um contrato de habitação periódica que Ela tenha feito connosco.
Este acidente fantástico da evolução leva a que esqueçamos, por vezes, esta aura acidental e, de forma mais ou menos megalómana, que queiramos ser senhores do acaso e vencer a vida. É claro que muitas pessoas consomem-se ao tentar vencer a vida e acabam, sem terem vivido por dentro, vencidos por ela.
Somos vencidos pela vida sempre que desperdiçamos, sem reparação, as pessoas que, gostando de nós, não conseguem ser o espelho que nos dá vida. Muitas pessoas são arquipélagos onde as ilhas se separam prevalecem sobre o oceano que as une. Mas, apesar disso, é do modo como alguém (algures no nosso crescimento) nos amou que nasce a fé e o desejo.
É claro que, sempre que falamos de fé, damos de caras com Deus. E, logo que se pensa no desejo, esbarramos na sexualidade. E sem insolências, acho que tais confusões são "indigestas"... Desejar a vida só é possível quando temos fé nas pessoas. No seu amor e na função redentora que possam ter dentro de nós. É da fé que nasce o riso e o encantamento que vestem o desejo de vida e nos abrem para o fogo e para os arrepios da paixão. Mas, infelizmente, a muitas relações faltam a fé, o riso e o encantamento e, por isso, em vez do desejo da vida, prevalece sobretudo o desamparo. São essas relações que levam, com gula, a que se anseie vencer sobre todas as coisas porque, no mais fundo dessas pessoas, se reconhecem vencidas pela vida.
Eduardo Sá, " Chega-te a mim e deixa-te estar"
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