quinta-feira, 22 de julho de 2010

Filosofia do Gabiru

Ser só para sonhar e para ver este espectáculo único – a natureza; para passar os meus dias vendo as transformações duma daquelas árvores que daqui contemplo!...

Tenho a certeza de que fui árvore e é por isso que tanto as amo.

Há livros que falam baixinho, há livros que falam alto. Uns têm por si o encanto, outros a força. Às vezes as palavras murmuradas impressionam mais: passado tempo ainda elas acordam em nós fibras adormecidas.

Porque é que a água, até o mais humilde charco, atrai e faz sonhar os homens contemplativos?

Quanto mais desprezo o homem, mais amo a natureza. Ela é inalterável.

O homem prende-se a muitas coisas inúteis: a riqueza, a ambição, interesses mesquinhos: vive emaranhado numa teia. De forma que não tem tempo de ver, nem de ouvir, nem de conhecer. Quantas criaturas existem que nunca olharam para o céu? A natureza, árvores, montes, rios, esse pélago que entrevejo do meu quarto deixa-os indiferentes, as horas de preguiça e sonho deixam-nos indiferentes. Nunca tiveram tempo para amar as coisas simples e grandes da vida. O que é eterno não o viveram. Por mim, antes quero comer pão e cismar, deixar correr as minhas ideias como um regato corre - até onde tem água. Alguns morrem sem terem reparado que existiram.

É por isso que eu corto sempre com tudo o que me não deixa sonhar.

Raul Brandão “ os pobres II”

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