quinta-feira, 22 de julho de 2010

a solidão

Tem a solidão isto de comum com o silêncio e a escuridade: espanta e aturde quem nele cai; mas, logo que o ouvido liberta dos sons fortes, aprende a conversar com a mudez; tanto que os olhos, desfocados dos luzeiros intensos, se exercitam em caçar visões de raios, fosforescências indecisas, que são como que os cílios das trevas, abriu-se o negrume em brilhantismo, o silêncio avivou-se de diálogos, a solidão, que parecia o nada, é um mundo novo com um sistema completo de existências imprevistas e apropriadas.

Que admira? A solidão medita, e a meditação cria. Os sentidos alimentam-se do que lhes oferecem a natureza, a fortuna, o acaso; a divindade interior, a alma, tem tratos inexplicáveis com o íntimo e desconhecido.

[…]

Boníssima solidão! Tu és para a sociedade o que as tuas montanhas são para os vales: nas tuas entranhas se filtram, dos teus recôncavos rebentam os génios possantes e profundos que vão derramar por longe a fertilidade. Mas tu não és só mãe às torrentes caudais: uma fontinha entre lapas, desconhecida, não se goza menos do teu favor. Sobre o pouco libertas dons, como sobre o muito; prudente para o imenso, prudente para o limitado. Solidão, inspiradora de todos os visionários, de todos os descobridores, de todos os inventores! Solidão, ninho das rolas como das águias, perdoa, se eu não sabia ainda apreciar-te!

António Felicidade de Castilho, “ A chave do enigma”

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